Tipos de dívidas do produtor rural
De forma simplificada, um produtor rural possui dívidas de custeio, destinadas ao financiamento de uma safra ou ciclo produtivo, e dívidas de investimento, que são amortizadas ao longo de várias safras ou ciclos produtivos.
Para quitar o custeio, o produtor não necessariamente precisa ter lucro; porém, para honrar parcelas de investimentos ou renegociar dívidas antigas, é imprescindível ter lucro operacional.
Um período desafiador no agro
Estamos atravessando um período desafiador no agronegócio brasileiro, no qual muitos produtores estão renegociando suas dívidas.
Isso já aconteceu outras vezes, e representa mais um ciclo no agro, que é característico do setor.
A necessidade de avaliar a capacidade de pagamento
Contudo, para estruturar um processo de renegociação, é necessário avaliar a capacidade de pagamento, o que exige conhecer o lucro operacional, projetá-lo para os próximos anos, ou seja, as parcelas devem ser menores que o lucro operacional anual.
Como Eduardo Lima Porto observou em um comentário a um artigo recente, o ROIC precisa ser maior que o WACC.
Quando o custo do dinheiro supera o lucro
Em outras palavras, além do caixa não fechar, em muitos casos o lucro operacional da atividade é menor que o custo do dinheiro; portanto, postergar a dívida apenas aumenta o problema.
Para exemplificar:
Com juros de 20% ao ano, o lucro operacional deve ser de pelo menos 20% apenas para a dívida não crescer.
Vale destacar que temos observado renegociações com taxas superiores a essa, o que certamente vai piorar a situação do devedor, e provavelmente do credor também.
Renegociações feitas “a toque de caixa”
Entretanto, é prática comum no mercado a execução dessas renegociações sem a devida análise dos dados concretos da capacidade de pagamento, ou como ouvi de uma pessoa no setor financeiro esta semana: "a toque de caixa".
Surge então a pergunta: com base em quê estamos renegociando?
A ilusão de lucros futuros
Na expectativa de que 2026 apresentará lucros extraordinários? (Também desejo que isso aconteça!)
A questão central é: quem deve assumir a responsabilidade por essa postergação de um problema que possui enorme potencial de crescimento? Seriam as instituições financeiras ou os produtores rurais?
Será que nossos produtores compreendem que rolar essa dívida pode, em vários casos, comprometer grande parte ou a totalidade de seu patrimônio?
O “rinoceronte cinza” do agro
Gosto do livro "Rinoceronte Cinza", de Michele Wucker, que apresenta a visão de um problema de grandes proporções que está diante de nós, mas que, por algum motivo, ignoramos e continuamos com as práticas habituais.
O livro aborda vários exemplos da crise do subprime americano de 2008. Observamos que estamos em um cenário semelhante (guardadas as devidas proporções) no agronegócio brasileiro.
A analogia com o rinoceronte é que, quando ele começa a correr, é praticamente impossível não ser atingido, pois ele corre a 50 km/h e pesa 3 toneladas.
O que estamos ignorando hoje
Deste modo, estamos vendo uma enormidade de produtores que não sabem qual é o seu lucro operacional, que têm dívidas contraídas no passado a juros relativamente "baixos" não sendo pagas por falta de caixa.
Assim, estão renegociando a juros elevados, o que certamente vai resultar em um saldo devedor ainda maior no próximo ano.
Posteriormente esse ciclo vai se repetir, até a constatação de que temos um problema, tanto para produtores quanto para instituições financeiras.
O impacto estrutural que virá
O fato é que essa situação gerará muito ruído e desconforto no setor, além de prejuízos significativos para aqueles que não estiverem atentos ao "rinoceronte cinza" que se aproxima.
Isso provocará mudanças estruturais profundas nos próximos anos: muitas propriedades trocarão de mãos, e o agronegócio permanecerá concentrado nas mãos dos produtores profissionais — aqueles mais organizados e com reservas financeiras sólidas.
Estamos preparados para esse ciclo?
Produtores ou instituições financeiras, estão preparados para essa realidade ou serão vítimas desse ciclo no agro?






